Carregando...

Conselhos de Prudência

Conselhos de Prudência

(Por Paul Sédir, discípulo do Muito Excelso Mestre Philippe, de Lyon)
Trecho extraído do livro “Mística Cristã”, capítulo X.
Traduzido para o Português por Anderson Fortes de Almeida, com revisão de Mírian Portugal Torres

 

É certamente impossível escapar ao julgamento. Tudo o que se pode fazer é se preparar para ele, usar o melhor possível os anos que dele nos separam, mas cujo número nos é desconhecido e incognoscível.

A ignorância em que Deus nos mantém é uma precaução benigna que Ele toma contra nossa preguiça. Se soubéssemos, de fato, a data certa do termo de nossas existências terrestres, seria infelizmente provável que recuaríamos sem cessar na hora de pôr mãos à obra para valer, e nossa indolência seria então sem desculpa. Quanto aos raros seres que trazem no coração o zelo do serviço divino, eles se preocupam apenas em bem preencher seus dias, um após o outro; eles se fizeram escravos do Senhor; eles não se preocupam com uma recompensa, nem temem nenhuma punição; a fé e a caridade nem mesmo deixam lugar em seu coração para a esperança, e eles encontram sua felicidade nisso mesmo que é para todo mundo a infelicidade: na pobreza, nas fadigas, nas vigílias e nos desprezos.

Mas nós, os homens comuns, quando vêm as convulsões étnicas, os cataclismos, as epidemias, quando a dor rola em torrentes sobre a multidão, que fazer senão nos agarrarmos aos rochedos da fé, senão tensionar todas as nossas energias morais para não nos deixarmos submergir? Os verdadeiros perigos que corremos são perigos psíquicos; todos os outros, podemos apenas suportá-los, mas esses, devemos enfrentá-los e vencê-los. É por isso que Jesus diz “Vigiai e orai”, e nos adverte contra os perigos espirituais.

Eles são múltiplos. Primeiramente, nossa falta de confiança. Em seguida, nossa ingênua curiosidade pelo maravilhoso, que exploram habilmente os falsos Cristos e os falsos profetas. Depois, nossa covardia diante das perseguições. Como é preciso ser vigilante então! Semelhantes ao estudante preguiçoso que só se decide a estudar um mês antes do vestibular, somos obrigados a refazer em alguns anos toda a obra incompleta de várias existências; sem isso, é um atraso enorme em toda a nossa evolução.

E, repito a vocês, caminhamos às cegas, talvez as trombetas do julgamento vão soar daqui a vinte anos, em um ano, daqui a pouco... E se estivermos abaixo do nível médio, nos veremos imobilizados por sessenta, por duzentos e quarenta séculos talvez.

Somos geralmente levados a nos queixar de Deus; esquecemos a paciência que Ele teve conosco durante séculos; não queremos compreender que chega o tempo em que a avalanche do Mal, avolumada pelas gerações, pelos nossos ancestrais, que são nós mesmos, ameaça tudo arrastar, nós, nossos campos, nossas cidades, nossas pátrias, a Terra inteira, numa queda sem fim nos abismos do Nada. Nessas horas, é preciso um dique e, como a avalanche é feita de cobiças saciadas, de vícios e de homicídios, é preciso uma barreira de sacrifícios, de sofrimentos e de sangue.

A Dor é o grande Mistério da vida, e somente aquele que encarna a dor universal o explica para nós; aquele nosso Cristo, como um fruto maravilhoso suspenso nos galhos da árvore do Calvário, oferece a todos a onisciência da fé, a onipotência do amor e a beatitude da humildade.

Somente Ele, entre todos os condutores de homens, ousa oferecer o sofrimento à nossa sede de ideal; somente Ele coloca a alegria no coração daqueles que sofrem em Seu nome; somente Ele quer que a Dor se torne o sinal da beleza moral, o talismã da potência moral, a Palavra-chave de todos os segredos.

Ninguém consente em servir a Deus de bom grado. Nós O obrigamos a fazer da Dor o Seu ministro; pelo menos, saibamos acolhê-la como tal. Como a expressão “coração duro, coração de pedra” é justa! É preciso “a lança do bom cavaleiro Infortúnio”, como diz o nosso Verlaine, para fazer jorrar dessa pedra a centelha que dorme em seu seio. É preciso seu braço de ferro para que nosso egoísmo derrotado confesse sua impotência e pronuncie enfim a palavra de aniquilamento que, por Jesus, torna-se a palavra da Onipotência: “Pai, que a Tua vontade seja feita”.

Saibamos bem, doravante, que, tanto nas calamidades coletivas como nas tribulações individuais, o fator resistência moral é o mais importante.

Ouçamos o Evangelista: “Virá um tempo em que vocês desejarão ver um dos dias do Filho do Homem, um só, e não o verão. Dirão a vocês: ‘Lá está ele... lá está Ele...’. Não vão lá, pois surgirão falsos Cristos e falsos profetas fazendo grandes sinais e prodígios, a fim de seduzir, se possível, mesmo os eleitos. Assim, eu os preveni. Se, portanto, alguém lhes diz: ‘Ei-lo no deserto’, não vão lá. ‘Ei-lo no interior da casa’, não o creiam. Tal como o relâmpago parte do oriente e ilumina até o ocidente, tal será em seu dia a vinda do Filho do Homem. Mas lhe é preciso primeiramente sofrer muito e ser rejeitado por esta geração”.

O Adversário sabe a importância do elemento moral, ele sabe que uma inteligência distorcida, um coração enfraquecido já são como que prisioneiros para ele. Ademais, ao se aproximarem os últimos tempos, as especulações mais brilhantes da inteligência conquistarão os sufrágios; os triunfos mais surpreendentes da inteligência sobre a matéria se multiplicarão; as doutrinas mais aduladoras do orgulho serão pregadas por vozes eloquentes.

Vejam a voga atual dos estudos sobre o maravilhoso, toda a literatura consagrada ao psiquismo. O Adversário dotará vários homens de “poderes”, eles farão facilmente prodígios, enquanto os filhos de Deus, todos modestos e sem fausto, parecerão abandonados. Esses falsos profetas atribuirão privilégios a si próprios, se farão passar pelo Cristo; assim, conheci dois chefes de seitas americanas, um holandês, um israelita argelino, um hipnotizador indo-português, um espírita belga, um magnetizador francês e um budista, e cada um deles declarava ser o Cristo.

Ora, é possível que o Cristo volte; que Moisés, Elias, um apóstolo se reencarnem, mas eles nunca dirão nada sobre sua genealogia espiritual, ou porque eles a ignoram, ou porque o Pai não o quer. Um enviado do Cristo não faz nunca publicidade em torno de si, jamais se coloca à frente. Eis duas regras absolutas. Não se inquietem, pois, taumaturgos movimentam as multidões. Continuem a viver seus deveres e Jesus certamente saberá encontrá-los. Para que nosso nome seja inscrito no Livro da Vida, Jesus não nos pede para produzir fenômenos psíquicos, mas para ter um coração puro. Não corram para a multidão, fiquem aí onde estão os sacrifícios e as devoções. A busca do maravilhoso leva às trevas.

Protejam-se dos diabos, protejam-se dos espíritos, dos gênios, dos fluídos e dos deuses. Para manipular sem perigo as forças invisíveis, a condição indispensável é ter as mãos limpas. Providenciem, pois, com o que lavar a inteligência e o coração, sobretudo o coração.

São Paulo assegura que o julgamento só ocorrerá depois da grande apostasia, depois que for manifestado o homem da iniquidade, o filho da perdição, o grande adversário, elevando-se acima de tudo o que chamamos Deus e que adoramos, até se instalar no templo de Deus e se apresentar como sendo o próprio Deus... Essa aparição se fará pelo poder de Satã com toda a sorte de milagres, de sinais, de prodígios mentirosos e uma multidão de seduções culpáveis. Ver em Voltaire, em Renan, em Nitzsche a encarnação do Anticristo é uma concepção um pouco estreita; mas o espírito humano tende sempre para o particularismo. Além disso, houve e ainda há hoje falsos místicos que dizem conhecer o Anticristo, que designam seu pai e sua mãe como sendo religiosos apóstatas, que sabem onde eles vivem... Ora, é evidente que o primeiro cuidado do Anticristo será o de não gritar diante do mundo: “Sou eu o Sedutor, sou eu o grande inimigo do Bem!...”.

O Anticristo não é ou não será um indivíduo, mas todo um exército; qualquer um que pregue o orgulho, o egoísmo, o esmagamento dos fracos, a abstenção de agir, a imobilidade, a inércia pertence ao Anticristo. Qualquer um que declare que Jesus não era o Verbo, Filho do único Deus, vindo em carne, pertence ao Anticristo. Qualquer um que ensine os meios ocultos de se tornar poderoso, de aumentar sua vontade, de fazer prodígios, pertence ao Anticristo.

Será preciso estar atento, pois esses homens serão hábeis; eles começarão por pregar a fraternidade universal, a paz universal, a tolerância universal, e eles conciliarão assim a multidão dos ingênuos. Depois eles explicarão a dignidade do homem, mostrarão as maravilhas que o homem pode realizar por meio de certos métodos psíquicos e concluirão que o homem é um deus; eles provarão em seguida que não há outro Deus senão aquele que reside no coração do homem e que, consequentemente, nenhuma lei vigora mais para quem encontrou esse deus interior. Daí a instalar o orgulho espiritual, o não agir sobre o trono supremo, é só um passo.

E todos esses sofismas serão tão habilmente apresentados, reforçados por provas tão sedutoras, e fascinações tão insinuantes que quase toda a humanidade se deixará levar.

Como escapar dessas armadilhas?

Sabendo utilizar a Dor em vez de rejeitá-la.

Primeiramente, é preciso crer no Cristo. É preciso se apegar a Ele cegamente, desesperadamente, sem escutar ninguém, sem ouvir nenhum argumento, pois a inteligência se tornou o domínio do Anticristo. Está escrito: “Quem crê no Filho não é julgado, quem não crê já está julgado”. E em outra parte: “Em verdade, em verdade, vos digo, aquele que escuta minha palavra e que crê Naquele que me enviou possui a Vida eterna e não comparece em julgamento”.

Em seguida – não em seguida, mas ao mesmo tempo – é preciso fazer o bem. Só quem faz o bem é considerado como tendo fé, e o verdadeiro discípulo nunca tem nada a temer de ninguém. Aquele que, nos anos de abundância, sempre partilhou amplamente com os pobres está seguro de que a penúria nada poderá contra ele.

No entanto, Jesus não deixa de dar a Seus discípulos conselhos de prudência: “Vós sereis odiados por todos por causa de meu nome, lhes diz Ele; entretanto, não temais aqueles que matam o corpo, mas que não podem matar a alma. Temei antes aquele que pode fazer perecer a alma e o corpo na geena (no inferno); mas, quando eles vos perseguirem em uma cidade, fujam para outra”. E Ele enfatiza ainda esta prudência: “Que aquele que estiver, neste dia do Filho do Homem, no terraço e tiver algum objeto dentro de casa não desça para pegá-lo. Que aquele que estiver nos campos faça o mesmo e não volte atrás. Lembrai-vos da mulher de Ló... Quem buscar salvar sua vida a perderá, e quem a perder a conceberá viva. Nessa noite, eu vos declaro, de dois homens que estarão no campo, um será tomado e o outro deixado; de duas mulheres que moerão juntas, uma será tomada e a outra deixada”.

Em terceiro lugar, será preciso ser vigilante, estar consciente do que se passa e do que nos apresentarão como sendo a felicidade e a verdade. “Velai sobre vós mesmos, nos repete Jesus, para que os vossos corações não se tornem pesados com a boa comida, com os excessos de bebida, com as preocupações deste mundo, e que esse dia não vos surpreenda inopinadamente. Pois ele virá como uma rede sobre todos os que habitam a face da Terra. Sede, pois, vigilantes em todos os tempos e orai a fim de que vos torneis dignos de escapar de todas essas coisas que vão acontecer e de subsistir na presença do Filho do Homem...”.

Aqui, uma vez mais, Jesus recomenda, portanto, a energia, o esforço, a ação, a constância. Jamais as almas piedosas e os cérebros com tendências espiritualistas repetirão demasiadamente a si próprios que Deus é o Ato; que a Vida eterna não é inércia, mas o Movimento; que a beatitude não é a imobilidade, mas a Ação.

Tais são os procedimentos gerais que permitirão sofrer com sucesso a provação dos últimos tempos.

Eis aqui, além disso, se ouso assim me exprimir, uma pequena receita que creio ser preciosa porque ela nos ajuda a precisar nosso esforço, a concentrar nossas energias, porque ela reunirá nossos elãs esparsos e fixará nossa boa vontade que tantos transtornos poderiam tornar indecisa.

Eis a primeira regra:

Não se pôr nunca em cólera.

E eis a segunda:

Pôr-se sempre abaixo de todos.

Compartilhar: