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Conselhos a um Neófito

Conselhos a um Neófito

Por Charles Barlet
(Extraído de La Iniciacion, nº 46, publicação mensal do Grupo Independente de Estudos Esotéricos, Montevidéu, fevereiro de 1946)


Charles Barlet é o pseudônimo do célebre ocultista francês Albert Faucheaux (Paris, 12/10/1838 – 27/10/1921). Advogado, funcionário público na área de finanças e membro de muitas sociedades científicas, como, por exemplo, a Association Scientifique de France e a Societé d’Astronomie. Recebeu vários prêmios por seus trabalhos científicos, incluindo: 1º Prêmio no Concurso Internacional de Pedagogia e Economia Política (Paris, 1892); e Medalha de Bronze no Grande Prêmio da Societé Savante Scientifique Franklin etc.

Iniciado ao Martinismo, foi presidente do Centre Esotérique Oriental de France, Membro do Supremo Conselho da Ordem Martinista, representante, na França, da Hermetic Brotherhood of Luxor e membro, primeiro, e Grão-Mestre, depois, do Conselho dos 12 da Ordem Cabalística da Rosa+Cruz.

Homem sábio e humilde, foi considerado por Papus como o mais culto esoterista da França de sua época. Diretor das revistas L’Etoile d’Orient e Science Astrale, colaborou em muitas outras e publicou muitos livros de grande valor esotérico e científico, entre os quais Essai Sur l’Évolution de l’Idée; L’Instruction Intégrale – Programme Raisonné d'Instruction À Tous Les Degrés; L’Occultisme; Synthèse de L’Estétique; L’Evolution Social etc.

O presente artigo, que traduzimos para oferecer aos leitores de “LA INICIACION” (e agora, após 75 anos, aos do site da Igreja Expectante), foi publicado originalmente na revista La Gnose, 1910, nº 10, páginas 205 a 209. Os “Conselhos a um Neófito”, de Barlet, são sempre atuais, pois diariamente vemos neófitos e até ocultistas com a ilusão de estar bastante adiantados no caminho iniciático, perder de vista a única e verdadeira meta até a qual deveria marchar todo espiritualista sério, sincero e convicto, para extraviar-se no perigoso labirinto até o qual é atraído pelas ilusórias miragens do reino de Maya. Oxalá os neófitos e até os extraviados do Caminho possam tirar proveito destes “Conselhos”.

 

Me pedes conselhos, querido amigo, sobre a senda na qual te encaminhas. É tão vasta e difícil que considero que nela te precedi por muito pouco, apesar do número de anos. Mesmo assim, vou dizer-te o que percebi ao percorrê-lo.

Suponho, antes de tudo, que, se tu aspiras à Iniciação, é porque pertences àquela raça de homens que os antigos chamavam real, não por seu nascimento, mas porque eram daqueles que não se deixavam entusiasmar pelos vãos progressos de nossa vida material. Sabendo que fonte perigosa de lutas sangrentas e degradação encobrem sua sedutora abundância, preferem consagrar-se por inteiro ao verdadeiro papel do homem, que é uma participação cada vez mais ativa na vida divina e o sacrifício para a felicidade de todas as criaturas. Esta mesma Iniciação verdadeira a que aspiras não é senão uma preparação para esta santa e difícil missão.

Se queres obtê-la movido por outros sentimentos, o melhor conselho que posso dar-te é o de renunciar a ela. Não sendo o caso, não esperes de mim, tampouco, que possa fazer mais que indicar-te a direção até o umbral de um santuário no qual não posso lisonjear-me de haver penetrado. Não se chega a ele de outro modo, a não ser pelos seus próprios esforços. Tudo o que posso fazer é indicar-te os obstáculos ou armadilhas que tenho encontrado no caminho.

Tu sabes de que fenômenos somos testemunhas ou até agentes; sejas precavido contra suas atrações. Ecos distantes da luta formidável que nos espera, os tomamos em seguida por contos de triunfo. Quando o jovem, ao entrar no mundo, se vê a si mesmo marchando à frente da tropa fardada para a parada, e o general e seu Estado Maior, todos cobertos de ouro e cheios de condecorações, seu coração se inflama de entusiasmo pela carreira militar. Ele não imagina nem os rigores e desgostos da disciplina cotidiana, nem as ignóbeis carnificinas do campo de batalha, nem a morte obscura que, em emboscada vergonhosa ou repugnante, o espera, a cada passo. Nada percebe a não ser a ilusão fascinadora do poder e as aclamações da multidão. Não te deixes seduzir por semelhantes ilusões.

Desconfies, ainda mais, do assombro que produzem em ti os fenômenos prodigiosos; é a tua mesma alma que eles põem em perigo!

É preciso conhecer o fenômeno, observá-lo em detalhe, negligenciar nenhum – e há uma grande variedade, – e encará-lo sempre com sangue frio, recebê-lo sem emoção, tratá-lo com a maior reserva, quase sempre com desconfiança, por mais sedutor que seja. Se o fenômeno é o escravo do verdadeiro Mestre, é o mais perigoso inimigo do neófito e o mais orgulhoso tirano que o adula e o debilita quanto pode; os antigos, tu o sabes, o representavam sob o símbolo da Sereia de canto sedutor, como cilada armada nas costas mais encantadoras para devorar sua jovem vítima no fundo das águas, fiel imagem do perigoso Astral.

Intentarei indicar-te a razão disto, mas não poderás conhecê-la completamente a não ser pelos seus próprios estudos.

O prodígio te assombrará somente se o confrontares com o tipo de forças desta Terra. Mas não é sem razão que estamos encerrados nela; sem nossa couraça de carne, sem os limites intransponíveis de nossa atmosfera, estaríamos constantemente expostos ao turbilhão das forças cósmicas e, se queres fazer-te uma ideia do que elas são, mesmo que imperfeita, consultes somente nossa ciência astronômica. Todo principiante em esoterismo deveria começar com ela, porque entra em um vestíbulo de onde as portas do Universo lhe serão entreabertas.

A força, sempre inseparável da matéria, como o afirmam os positivistas, sem dúvida não é senão instrumento do pensamento. Pois bem, se nossas forças terrestres podem já parecer-te formidáveis quando elevam nossos mares ou destroçam as profundezas de nosso solo, podes imaginar a potência que haverá quando o mesmo Pensamento Universal ponha essas forças cósmicas em jogo, ainda que seja somente para o governo de um mundo tão microscópico como o nosso?

Ademais, quanto mais perto está um mundo de suas origens, daquele tempo em que o Amor Divino o arrancava, para a alegria da vida luminosa, dos tenebrosos abismos do caos material, tanto mais formidáveis são as forças que sua infância exige. Completamente entorpecido, porém, na inércia de um sono até então eterno, recusa submeter-se a todo movimento novo; se extravia em tudo que ensaia como a criança em seus primeiros passos; quase todas as suas produções necessitam de uma transformação radical; matar tudo aquilo que o afasta do Criador e que o envolve por todos os lados. Se queres ter uma ideia disso, tentes somente representar em tua imaginação os cataclismos de nosso globo nas épocas geológicas mais adiantadas que nos precederam; é uma história escrita sob teus passos; muito bem decifrada por nossos sábios e que deves ler em seus livros caso não a conheça ainda. Há, sim, forças destrutoras ao lado das harmoniosas forças criadoras. E essas forças terríveis dominam sobre nossa Terra que não tem mais que somente alguns milhões de anos.

O homem, no entanto, havia sido formado para dirigir essas forças formidáveis. Tutor universal das criaturas terrestres, devia presidir sua educação. Ministro de uma Previdência tutelar, estava encarregado de defendê-las com amor de todos os perigos, de todos os erros que só a morte retifica. Era por seu intermédio, então ele mesmo imortal, que todos os seres deviam ser ou tornar-se rapidamente felizes. E para esta linda missão se lhe havia dotado de poderes divinos e possuía o manejo dessas forças cósmicas cujas menores manifestações nos parecem hoje tão maravilhosas.

Mas o homem fracassou. Teus estudos te darão uma prova disto mais adiante, quando te explicarem o mistério deste terrível drama. E desde o dia de sua queda que, como verás, o homem não tem sido quiçá feliz. Foi necessário que dele se retirasse, em seu próprio interesse, a Espada Flamígera, para ser remetida aos Querubins, guardiães atuais das fontes da vida que ao homem haviam sido confiadas. Se tal não tivesse ocorrido, o homem teria envenenado essas fontes com o mesmo veneno que o havia abatido, e ele teria sucumbido com todos os seres confiados a seu cuidado. Desde esse dia o homem se encontra com eles e como eles, trancado, para sua própria segurança, sobre esta Terra mais grosseira, circundada pelo impenetrável círculo das potências da morte.

Mas se o homem fracassou, lhe é dado, ainda assim, a possibilidade de regenerar-se com a ajuda dos seres divinos, ministros da Providência criadora; na medida em que se regenera, sua alta missão lhe é pouco a pouco devolvida e, com ela, as forças de que necessita. Porém, somente na medida em que se regenera e na proporção em que o consegue. Agora convença-te bem de que essa regeneração, que é o estado de santidade, é uma das coisas mais difíceis de conseguir.

Imagines, agora, quão penosa deve ser a condição daquele que, sabendo já ter merecido voltar a tomar uma parte dos trabalhos de sua missão cósmica, se deixa extraviar de novo, como seu grande antepassado, pelo orgulho, e quer fazer ostentação de poderes apenas renascidos. Pobre convalescente, penosamente arrancado do perigo supremo, a quem a imprudência ou a volúpia vão submergir de novo e mais que nunca nos abismos da morte!

Acontece que a verdadeira Iniciação é o começo dessa regeneração que nos devolve o manejo das forças cósmicas com as verdadeiras e correspondentes responsabilidades.

Mas, entretanto, isso não é tudo. Não é apenas contra sua própria debilidade que o Iniciado deve defender-se mediante a prudência e a humildade. Seres mais poderosos que o homem têm fracassado também em sua missão divina e estão ainda em poder das forças mais terríveis do Universo, as forças da destruição. Tu deves conhecê-los, e muito particularmente, em teus estudos. Eles desaparecerão, talvez, com o tempo, mas atualmente são para nós os agendes indispensáveis do destino ao qual nos condena nossa imperfeição, e, como eles podem sustentar sua existência condenada à custa da nossa, subtraindo-nos essa parte de nosso ser que tu chamas nosso corpo astral, não há seduções, malícias, mentiras que sua alta inteligência e sua perversidade não inventem para fazer-nos cair em suas garras. Em parte alguma a terrível luta pela vida é mais implacável que nessa região do Astral que nos circunda imediatamente, e dela provêm quase todos os fenômenos do pretendido ocultismo.

Apolônio de Tiana a define claramente em algumas palavras: “Aqui, discípulo, passam os demônios em meio às tumbas, e aquele que ali chega é detido, e a aparição dos demônios o enche de medo e estremecimento; se trata, neste caso, da magia e da goécia, ou seja, de práticas mágicas diabólicas”. E mais adiante: “Aqui, o que é preciso é calar-se, estar tranquilo, porque aqui está o terror”. (Nuctemeron, 4ª e 5ª horas)

Eis aí o abismo que deves ultrapassar antes de chegar à Iniciação. Não te espantes demasiadamente, porque a virtude basta para preservar-te; mas lembra-te também que o orgulho é a falta que te fará cair nele mais facilmente.

Recorda-te constantemente que as práticas que o assim chamado ocultismo poderá revelar-te são artes muito difíceis e que necessitam tanta pureza, humildade e virtude quanto ciência árdua e ampla. A mais perigosa, a mais penosa de todas é a defesa contra as seduções do fenômeno. É o perigo que a Tradição representa sob o símbolo do Dragão do Umbral: seu olho, que persegue o neófito, o fascina como o da serpente e o faz facilmente cair na garganta do monstro. Se tiver, todavia, a ocasião de falar-te sobre ele no curso de teus estudos, me será muito fácil relatar-te exemplos dos quais fui impotente testemunha.

Guarda-te, pois, de imitar o grande número de ocultistas que verás a teu redor entregar-se, com toda a imprudência da ingenuidade e do orgulho, a essas forças que, em lugar de temer, se comprazem em chamar sem nada conhecer de sua natureza. Consideres sempre a esses ocultistas, em teu pensamento, como os discípulos imprudentes ou presunçosos de algum mestre na arte química: uma ou duas vezes lhes foi dado entrever suas demonstrações; impressionados pela singularidade de seus produtos, pelas cores variadas de suas precipitações, pelas transformações instantâneas de seus compostos, pelas inflamações e explosões que as acompanham, têm reproduzido algumas, e isto lhes basta para crer-se sábios como o mestre, e para declarar-se, por sua vez, químicos eméritos e fazer-se chefes da escola. Eu estaria mesmo autorizado (ai-ai-ai), a dizer-te que mais de um não tem buscado essa semiciência, senão para extrair dela venenos que os tornam mestres da humanidade, segundo creem.

Convence-te, portanto, querido amigo, de que todas as práticas chamadas ocultas, quando não são crimes muito verdadeiros e de uma vergonhosa covardia, representam artes que não são possíveis senão ao preço de uma ciência transcendental e de uma verdadeira santidade. Se queres ser digno delas, teu primeiro esforço, e por muitíssimo tempo, é o de trabalhar sobre ti mesmo para dominar os defeitos que a todos nos afligem; armar-te depois, o mais que possas, de todos os conhecimentos de nossas ciências positivas, com demasiada frequência negligenciadas e até desdenhadas pelos estudantes do esoterismo enquanto que, ao contrário, são indispensáveis; e dedicar-te sobre todo o estudo da Religião no sentido mais verdadeiro e elevado da palavra, à inteligência de seus preceitos e de suas práticas, ao significado profundo de seus símbolos e de seus mistérios. Que a tradição a que te dedicas, seja qual for, seja o primeiro ponto de teus estudos. Não tardarás a convencer-te, mais adiante, que as diferentes Tradições encobrem todas uma só Verdade, piamente conservada, e, desde o momento em que possas percebê-la, sua assombrosa majestade te recompensará, então, das lentidões inevitáveis do trabalho que te indico. Eis aqui o que nós chamamos Gnose!

Ao buscá-la, encontrarás que doutrina pode acercar-te a ela mais rapidamente ou mais seguramente; não deixes de colocá-la em prática. Que tu temas somente deixar-te extraviar-te pela superstição; é na Religião que está todo o verdadeiro Esoterismo; desde os tempos mais remotos é nos Templos que se conquista a Iniciação, porque ela tem por finalidade e por efeito abrir os mais sagrados Santuários somente a aqueles que estão decididos a consagrar-se à salvação da Humanidade, como humildes servidores da Divindade.

Fora desta via difícil e longa, poderás encontrar muitos chefes que se oferecerão a iniciar-te; poderás decorar-te a teu agrado com títulos tão pomposos e solenes quanto vãos; poderás acreditar-te chamado aos maiores destinos, à glória de potências misteriosas e temíveis; poderás chamar-te um ocultista, mas não será nunca um Iniciado.

Mas se, como desejo, perseverares com prudência no caminho vasto e difícil do estudo e da CARIDADE, espero que me bendigas algum dia por haver-te mostrado os perigos da prática e haver-te afirmado a necessidade do trabalho intelectual, humilde e silencioso. Tua juventude e teu zelo me dizem que poderás chegar um dia a essa Terra Prometida que apenas me está permitido entrever, por ter errado por muitíssimo tempo em sua busca.

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