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SAÚDE, PAZ, UNIÃO!

SAÚDE, PAZ, UNIÃO!

(Por Orpheu, discípulo do Mestre Sevãnanda, 2º Patriarca Expectante, na edição de nº 40 de La Iniciacion, publicação mensal do Grupo Independente de Estudos Esotéricos, Montevidéu, agosto de 1945)


Palavras que significam um símbolo de vírtude e uma sentença para a vida. Um símbolo, porque nos mostra a luz interior; uma sentença, porque dá a voz de alarme ao constante não cumprimento do dever.

Fazemos algo para conquistar essa meta, tantas vezes expressada em roda de amigos?

Nada ou muito pouco.

Todos estamos convencidos de que a felicidade é a resultante dessas três forças; mas o número que convive com elas é tão reduzido que não devemos nos surpreender ao sentir a garganta apertada a cada instante.
Cremos na injustiça somente para abafar nossos erros. Tudo nos parece adverso; os benefícios, demasiado insignificantes.

Somos dignos de mais! Ao menos eu sou! Tu e ele, não sei.

Onde está a verdade?

Ninguém quer ceder.

São todos iguais! - dizemos irritados.

Falamos sempre em segunda ou terceira pessoa.

E esta afirmação nos arrasta inevitavelmente à crença de que só nós temos razão. Porém, tenhamos em conta que, ao dizer "nós", sempre  dizemos "eu".

A generosidade não alcança nem sequer a primeira pessoa do plural.

Logo, só "eu" tenho razão!

É uma arbitrariedade? Não, isso não! Nem desejo pensar nisso.

Então, por que sofro? Por que não sou realmente feliz? Por que minha saúde definha? Por que adoeço? Por que não tenho paz? Por que a união não é um laço tão sólido como eu tinha imaginado?

Para contestar estas perguntas, volto a fazer acusações.

Se sou invulnerável ao pecado, como me parece, tenho que admitir que sou bom.

Sim!

Mas em seguida, a dúvida.

Sim!

Agora já não me atrevo a afirmar.

E, ao chegar a noite, tenho a honestidade de repassar todo o acontecido durante o dia. Faço esforços por ser sincero; para não esquecer nada, absolutamente nada!

Isto me parece fácil. Ademais, como estou só, não terei vergonha de fazer-me esta confissão.

Começo por examinar minha saúde. Constato que estou cansado. É o excesso de trabalho, me digo orgulhoso.

Logo após, a dúvida.

- Quiça comi mais do que o necessário... Foi a bebida... Foi o cigarro... Roconheço que, nisto, fui contra a natureza. Claro que o álcool não pode ter me deprimido tanto... Nem a minha alimentação...
Afinal, outros comem, bebem e fumam mais que eu. A fisiologia humana se adapta com facilidade e ainda que esta não tenha sido minha primeira incursão neste tipo de menu, o hábito cria uma segunda natureza.

Depois de muito ruminar, reconheço sem dúvida ter-me desviado da verdade... Porém, a ninguém farei esta confissão. Não! Isso não!

Sigo examinando-me... Tenho tido paz de espírito durante todo o dia? Posso dizê-lo que somente por instantes... Muito poucos. Não saberia explicar-me. Às vezes, asseguraria que não tenho sido realmente feliz... Mesmo que tampouco possa afirmar o contrário.

No entanto, uma dor me oprime o coração pretendendo obscurecer a alegria.

Por quê? Que asuntos de importância puderam me haver entristecido?

Assim, esta pergunta, de pronto, não teve resposta imediata.

Não me recordo de ter brigado... É certo que sou um tipo sério, pouco carinhoso e expressivo, se assim se quer dizer. Entretanto, todos me olham e tratam duramente. Acontecimentos ou confrontos de importância, creio não tê-los vivido hoje. Pequenos, sim, mas não a ponto de quebrar a minha paz tão avidamente buscada.

E, nesses incidentes, não me recordo de ter sido o culpado... Não fiz mais que defender-me, falar acaloradamente, sim, mas com correção... Creio não haver me excedido. Creio... Então, duvido agora?

Esta pergunta, quando menos esperava, me angustia.

Gostaria de ter evitado esses embates, mas não pude. Se o fizesse, estaria destruindo a mim mesmo. Quer saber? Penso ter tido razão nessas disputas.

Nessas picuinhas eu podia, sim, ter me acalmado, ao menos um pouquinho... Mas calar, silenciar os meus conceitos significaria não ser um homem com "H" maiúsculo. E eu sou! Não ia levar desaforo pra casa, de graça!

Após uma pausa em minhas reflexões, reconstruí várias cenas, algumas importantes, outras triviais. Em algumas, acreditei ter sido justamente enérgico; em outras, quiçá não.

Recordo agora uma delas...

Vinha eu dentro do ônibus, na hora do almoço, espremido no corredor. Ao meu lado, um senhor, lendo o jornal, mantinha com dificuldade seu equilíbrio, apoiando-se por vezes em mim. Ambos estávamos incomodados, mas sem um gesto de violência ou repulsa. Por fim, tinha que desembarcar. Pedi licença para passar, mas o leitor, totalmente abstraído, não se moveu. Sempre pedindo permissão a ele, o empurrei suavemente, primeiro, e de modo mais brusco, mas sem intenção, depois. Então, sentindo-se molestado, o sujeito voltou-se para mim e disse: - Não seja bruto! Sem refletir e já com a ira nos lábios, lhe respondi: Você!
Sem esperar uma nova resposta, desci.

Este diálogo brevíssimo me trouxe uma onda de amargura. É certo que me havia ofendido, com ou sem razão; mas se ele era um mal educado, devia eu colocar-me naquela mesma altura?

Sem dúvida, foi o que fiz. E aquelas duas expressões mostraram-se exatas.

Já não tive a menor dúvida de haver contribuído, com meu caráter, para o desequilíbrio da paz.

Senti amargura pela minha palavra, não pelas do desconhecido. Seu insulto não podia afetar-me: era o meu, o que proferi em um momento de ofuscação e que desvelou toda a magnitude de minha pequenez e orgulho.

Reagi porque me chamaram de "bruto", mas, se assim o fiz, não seria porque em realidade o era?

Ante uma confissão tão íntima, senti um calafrio.

Batendo-me na cama e fechando os olhos, busco as sombras do sono para esconder-me entre elas...

Não podia ceder. Declarar minha derrota era a morte. Aquela ferida, que mostrava sentimentos até então desconhecidos para mim, talvez fosse um falso alarme ou os efeitos de uma momentânea depressão espiritual.

Apegado a esta única esperança, pretendi conciliar o sono, pronunciando em voz alta, uma vez mais, minha revolta.

Mas antes de ter me aquietado por completo, o solilóquio ainda continuou, como um murmúrio que se perdia definitivamente no subconsciente.

Estava a ponto de adormecer quando de novo minhas têmporas se sacudiram com força.

A palavra "União" se ergueu diante de mim como uma labareda vermelha.

União! - disse a mim mesmo - Não existe! Não a vejo! Através de cada indivíduo palpita um "eu" egoísta, inútil, cruel... É claro que eu me afasto para poder julgá-los! Além do mais, se todos fossem como eu, haveria união...

Por que não existe esta felicidade que tanto aclamamos com a boca aberta?

A sociedade se estremece constantemente, criando novos partidos e içando toda classe de bandeira. O grito de "união" é de uma potência tão comovente que parece sacudir as entranhas.

Mas esse grito, hoje, só está impulsionado pelo ódio.

Se fala de "amor" com os punhos ao alto... E de igualdade também...

A maioria, com os olhos encharcados de lágrimas, só pode esclamar: Ó, meu Deus!

Porém, o círculo de ferro não cede; os elos da corrente se apertam cada vez mais e o pensamento se arrasta porque desconhece as alturas.

Pela primeira vez, temo ter me descoberto. O sono me vence, mas a verdade me aponta rigidamente o dedo.

Tenho medo... Medo de ser igual aos demais... E se assim fosse, seria terrível!

Já não sei se tenho razão, nem quem a tem... Nem a quem devo escutar.

As ideias se confundem... É o sono que me carrega...

Mesmo assim, ainda vejo flashes de luz. Ouço vozes distantes que chegam a mim como um eco que se perde...

Três palavras, uma úlima vez, ressoam no momento de cerrar-se a noite: SAÚDE, PAZ, UNIÃO...

O vazio é agora completo. O pensanmento permanece imóvel... A quietude marca meu sono naquela noite.

Na manhã seguinte, volto à vida e a renovo com esperanças.

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