Carregando...

O trabalho “em superfície” e “em profundidade”

O trabalho “em superfície” e “em profundidade”

Pelo aniversariante do dia, Sri Sevãnanda Swami, 2º Patriarca da Igreja Expectante e, à época, Presidente do Conselho da Ordem Martinista.
Extraído de La Iniciacion, nº 63, julho de 1947

 

O Martinismo deseja levar seus membros a um cristianismo real, mediante três processos simultâneos até onde cada indivíduo o possibilite:

1º) Compreensão intelectual de que o cristianismo é a vivência sintética de TUDO QUE FOI ENSINADO pelas revelações e religiões precedentes, somado a sua característica própria ou principal: TOLERÂNCIA, BONDADE, CARIDADE, PERDÃO.

2º) Vivência prática do que acaba de ser dito – progressivamente e o quanto antes – mais: vida coletiva no intelectual, no cerimonial e devocional (isto é, na ALMA).

3º) Finalidade última: UNIÃO em Espírito, somente possível quando os Indivíduos sigam realizando a união real com os demais nas três modalidades: material-anímica e “MENTAL-PSÍQUICA” e, ao mesmo tempo, com as MESMAS FONTES ESPIRITUAIS.

Já vimos, em artigo anterior, todos os meios ou normas que o Martinismo indicava como caminhos até se alcançar tudo isso, passo a passo, ou etapa por etapa, com a independência dessas etapas.

Nos resta tratar, neste e em sucessivos artigos, da questão do “trabalho em superfície” ou “em profundidade” e, para isto, teremos que contestar uma série de perguntas, dúvidas, objeções e eventuais críticas que pessoas, martinistas umas e profanas outras, nos têm dirigido, e que preferimos responder oficial e globalmente por meio desta revista, antes que manter correspondência ou eventualmente polemizar, mas fazê-lo em caráter de esclarecer, explicar, atrair por afinidade, nunca de impor nada a ninguém, nem tampouco de modificar qualquer coisa para agradar “A ou B”, e, sim, somente de adaptar o ensinamento para uma coletividade, globalmente considerada.

No seio da Ordem Martinista, desde há muitos anos, na Europa, como também recentemente neste continente, têm se manifestado duas tendências entre os membros que podemos assim resumir:

1ª tendência: Uma Ordem deve tratar de fazer chegar sua doutrina ou seus ensinamentos ao maior número possível de Indivíduos. Com isto, contribuirá para a divulgação das verdades espirituais e, como lógica consequência, verá aumentar suas possibilidades numéricas e materiais, crescendo, pois, constantemente, seus meios de ação em benefício de todos. Para lograr isto, deve fazer, aos indivíduos e ao ambiente e época, o sacrifício de modificar tudo quanto possa parecer antiquado ou supérfluo, modernizando sua organização e instrução.

2ª tendência: Uma Ordem é uma organização visível, constituída como reflexo de leis eternas. Para tanto, seus métodos organizativos, didáticos e realizativos são inalteráveis. Os indivíduos que sejam aptos a seguir tal preparação são os únicos que podem ser admitidos diretamente em seu seio, em vista de uma preparação intensiva, sem preocupar-se com o número. Para os demais, deverá fazer obra de divulgação, mediante organizações exotéricas de adaptação adequadas.

Esta questão é muito mais complexa do que possa parecer à primeira vista.

Antes, pois, de examinar como encara o assunto o Martinismo propriamente dito, vejamos um pouco do que ocorre no mundo e os tipos de organizações que existem, com seus respectivos resultados, sem citar nomes para não molestar a ninguém em particular, nem exaltar tampouco persona ou sociedade alguma sobre outras:

1º) Há falta, no mundo, de informação intelectual, ocultista ou outra?

Parece-me que se pode responder categoricamente pela negativa. As livrarias jamais estiveram tão cheias de obras que expõem: Astrologia, Quiromancia, Andrologia, Ocultismo em geral, Cabala, Religiões comparadas e sem comparar, Filosofias de todas as tendências existentes, Espiritismo branco, cinza e… cinza escuro, Magia de todas as cores e matizes etc. No que se refere ao Oriente, tudo que é publicável e até o que não deveria ser está na vitrine: Yoga corporal, Hatha Yoga, Tratados de respiração, bons e ruins, partes perigosas de Yoga  tântrica ou sexual, Yoga devocional e mística, Yoga do fogo, Buddhismo, Vedismo, Vedanta etc. Tudo isto está profusamente exposto, traduzido, comentado.

Sociedades e escolas das mais diversas denominações publicam, alugam ou vendem cursos de tudo, desde os de alimentação saudável ou fanática, até os de metafísica ampla ou sectária. A rádio, os jornais, as seleções de leituras para o bonde e o ônibus etc. etc., têm permitido que os seres preparem, a si mesmos, a mais formosa salada mental desejável... ou, ao menos, concebível.

No café da esquina, nos bares, supermercados e nas paqueras argumentam sobre economia política como sobre quiromancia ou sobre a alma humana e em cada dez quarteirões há uma casa onde alguém tem revelações de um livro raro ou de um espírito genial.

Se me perguntam se creio que as publicações de uma Ordem qualquer são necessárias, diria que não. Se me perguntam se podem ser úteis, diria que sim, na medida em que todo livro o é: sempre cai, de vez em quando, em mãos de alguém que o leia com calma, o medite e aplique realmente algo de sua essência ou intenção. Porém, não conheço nenhum livro a publicar que contenha algo ainda não publicado, no que ao fundo se refere, de fato.

2º) Há alguma doutrina, revelação, ensinamento que se possa fazer conhecer e possibilite uma transformação favorável e mais rápida da humanidade?

Se todo dito e vivido por Ram, Krishna, Zoroastro, Orfeu, Buddha, Jesus e os milhares de santos e sábios que viveram parcialmente ou comentaram e divulgaram suas respectivas revelações não produziram mais que acordados que os que vemos hoje, quem pode pretender publicar algo que seja realmente um fermento ativo para a massa?

3º) Então, é inútil publicar qualquer obra, por melhor que seja?

Nem tanto ao mar, nem tanto à terra. Nada é inútil, mas poucas são necessárias e quase nada é indispensável no que se refere a publicações. De modo geral e sintético, creio que tudo aquilo que se publica tem uma pequenina utilidade geral e outra utilidade mais ampla para os especializados ou maduros, os quais sempre, de algum modo, haveriam obtido a informação que realmente buscam, necessitam e merecem.

CONCLUSÃO: Creio que uma Ordem deve publicar aquilo que sente como uma coisa conveniente (nada mais que isso) para facilitar local e momentaneamente determinadas informações já dadas em outro modo e tempo, ou existentes em condições menos fáceis (preço, idioma etc.). Mas isso não pode constituir a FINALIDADE ESSENCIAL DE UMA ORDEM, já que um bom editorial ou sociedade de divulgação basta para tal missão.

4º) Que papel pode então desempenhar uma Ordem, em relação à leitura?

A meu juízo, SÓ UM: Evitar que seus membros leiam demais, isto é:

  1. Tratar de que não creiam que a erudição intelectual os vá fazer superar ou abreviar as provas do caminho iniciático real, nem lhes vá permitir algo mais que compreender um pouco melhor e explicar um pouco mais claramente.
  2. Tratar de indicar-lhes o que se pode ler, em cada momento de sua preparação ou realização, para poupar-lhes de repetições, confusões, acumulações mentais etc., que causaram indigestão a um bom número de estudiosos, transformando-os em desorientados ou em polemistas “por esporte”.

5º) Como encara o Martinismo em particular o problema da instrução intelectual e da leitura?

Desde o tempo em que o Grão-Mestre reorganizador da Ordem, PAPUS, e a plêiade de valores que lhe rodeavam se preocuparam por selecionar aquele livro que realmente podia considerar-se como necessário para a cultura básica de um Martinista, até o terceiro grau inclusive, chegaram à conclusão de que se tratava de um material assimilável em um período de 6 a 18 meses, sempre que se estudasse e meditasse com desejo, atenção, método e praticando pouco a pouco o lido.

O referido material se constituía de:

Estudo geral da constituição humana: física astral e psíquica.

Estudo geral da constituição terrestre e do nosso Universo.

Estudo geral e aplicado de astrologia judiciária: Quiromancia, Grafologia, Fisiognomonia, detendo-se sobre os quatro temperamentos.


Nota do tradutor: Estudar a Teoria Humoral.

Os quatro temperamentos:

COLÉRICO – Explosivo, enérgico, ousado, estrategista, egocêntrico, exigente, direto, amargo, dominador, determinado. Ativo ao lidar com problemas e desafios. Bílis amarela. Elemento fogo.

SANGUÍNEO – Não admite não ser notado. Otimista, sentimental, instável. Entusiasta, persuasivo, convincente, amistoso, comunicativo, confiante. Gosta de influenciar os outros por meio de conversas e atividades. Sangue. Elemento ar.

MELANCÓLICO – Tímido, pessimista, solitário, triste, depressivo. Gosta de estar e agir conforme. Valoriza regras, regulamentos, estrutura. Cauteloso, sistemático, analítico, lógico, perfeccionista, intenso e profundo. Bílis negra. Elemento terra.

FLEUMÁTICO – Sonhador, pacífico, dócil, rotineiro, controlado, lento. Avalia antes de agir. Aprecia ritmo constante, segurança. Não gosta de mudanças repentinas. Confiável, trabalhador, realista, paciente, leal, previsível, gentil, persistente. Fleuma. Elemento água.


Estudo elementar de Sânscrito e Hebraico.

Noções de Cabala e Mística teórica.

História sintética das civilizações, raças, continentes e da lei evolutiva das coletividades humanas e revelações correspondentes.

A lei sinárquica, em particular, e hierárquica geral, funcionalmente consideradas.

Tudo isso cabia em poucos livros e se tratava resumidamente nos Cadernos da Ordem, que cada Iniciador ditava ou fazia copiar e comentava a seus Discípulos, o que foi praticado inicialmente também neste Continente.

Posteriormente, temos pretendido ser mais modernos e mais cultos. O resultado foi ampliar os textos teoricamente e os martinistas te puseram a ler um pouco de tudo, e que é demasiadamente pouco em conjunto e demasiadamente pouco no que a síntese iniciática se refere. O mal será corrigido em grande parte pela edição do “TRATADO METÓDICO DE CIÊNCIA OCULTA” de PAPUS (traduzido pelo Venerável Irmão Pitágoras) que constitui algo assim como os Cadernos dos três primeiros graus com a única exceção de certas indicações de ordem prática, que se darão por via direta.

Não se deve crer, apesar disso, que o Martinismo proíba ou desaconselhe a leitura a seus membros.

O que o Martinismo pede é o seguinte:

1º) Começar do começo. Seguir a ordem indicada. Fazer, cada um, a exata síntese do que foi lido para poder aplicá-lo, seja em compreensão de fatos e seres, seja para poder ao menos tentar aplicá-lo.

2º) Se alguns martinistas não desejam seguir esse treinamento especial, ninguém os obriga a isto, mas tampouco devem queixar-se se não obtêm os resultados previstos como média normal mínima.

Como se vê pelo exposto, começando pelo mais simples, que é a leitura ou informação intelectual, o MARTINISMO já define sua posição: POUCA COISA PARA POUCAS PESSOAS APTAS OU PELO MENOS DISPOSTAS A SEGUIR UMA NORMA.

Não creio que se necessite ser grande bruxo para descobrir nisto, desde já, que o Martinismo nunca pretendeu tornar-se uma Ordem numericamente extensa, nem de finalidade de divulgação direta ampla.

Muito ao contrário, seguindo a lei oculta que diz:

A) Preparar-se; B) Treinar-se; C) Aplicar irradiando, o Martinismo esperava que alguns de seus membros estivessem preparados e treinados para a dupla missão de DAR nestas duas modalidades:

ESOTERICAMENTE, OU SEJA, INTERNAMENTE: Como iniciadores martinistas, destinados a dar ensinamentos e dirigir o treinamento físico, moral e psíquico dos novos martinistas.

EXOTERICAMENTE, OU SEJA, EXTERNAMENTE: Como INICIADOS que dizem ser:

  1. Funcionando como Professores de cursos do GIDEE ou sociedades análogas.
  2. Funcionando como Ajudantes sociais: curas físicas e morais etc.
  3. Funcionando como Fermentos Sociais: vivendo como seres EMANCIPADOS de preconceitos, das convenções, dos credos políticos ou religiosos dogmáticos ou sectários e prontos a sacrificarmo-nos SEMPRE pelos ideais superiores da humanidade.

VOLTAREMOS A ESTE PONTO QUANDO TRATARMOS DOS GRAUS MARTINISTAS.

Se uma Ordem não tem por finalidade essencial a de dar ensinamento intelectual a seus membros – ou ao público – se pode colocar a seguinte pergunta:

Qual a finalidade essencial de uma Ordem?

Desde o ponto de vista real, isto é, profundo, no sentido espiritual, a pergunta se responde com poucas palavras:

CRIAR UM GÊNIO. – E, como desejaria que me entendessem, não tenho outro remédio que sair da linguagem iniciática e falar em termos profanos: Uma Ordem é um órgão humano que se constrói reunindo indivíduos aos quais se explica primeiro por que, como e para que pode chegar a construir um Gênio, isto é, um organismo psíquico espiritual nos dois planos – visível e invisível – no que trabalharão de dia e de noite, em vigília e em sonho, pelos demais, e um organismo social que trabalhará no mundo visível pela palavra, pelo exemplo e pela ajuda direta.

Quando tiverem entendido e aceitado (isto pode levar algum tempo...) começa a segunda etapa: preparar-se para isso. Vêm então todas as lutas das almas e das mentes, é dizer, o inevitável choque de instintos, temperamentos e opiniões dos iniciandos da coletividade, entre eles mesmos e entre eles e o mundo que os rodeia (família, sócios, amigos, mundo externo em geral etc.) mais a luta contra os agentes astrais de natureza OPOSTA ao tipo de ideal que a coletividade representa.

Esta segunda etapa é muito mais longa, no que se refere à preparação do núcleo central da coletividade, que, no entanto, cresce pouco a pouco, e é praticamente ilimitada, já que não somente ingressam continuamente elementos (células) novos na coletividade, como também esta jamais alcança um grau de unidade espiritual plena, senão que progride devagarinho enquanto se conserve em relativa harmonia crescente.

Como se compreenderá pelo exposto, querer estender o âmbito de uma Ordem a muitíssima gente ou à humanidade é absurdo desde o seu anúncio, já que a própria finalidade comporta como condição básica a reunião de elementos afins, isto é, no mínimo animados pelo desejo dessa vida de profunda amizade, união anímica, mental, moral e psíquica.

Portanto, toda Ordem que ponha seus olhos em um progresso numérico está automaticamente colocada em uma das duas condições seguintes:

  1. Ou bem ignora o que realmente é um Gênio, uma Egrégora e uma Ordem e confunde isso com um Clube, uma Sociedade ou uma Universidade;
  2. Ou, mesmo sabendo, permite-se esquecer-se, deixando-se levar pela ilusão do crescimento numérico, da prosperidade econômica e da vaidade ou conveniência do poder social etc.
Compartilhar: