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A necessidade de servir

A necessidade de servir

(Por Wronski, S. I., discípulo do Mestre Sevãnanda no Uruguai)
Publicado em La Iniciacion, nº 64, agosto de 1947

 

A tarde caía lentamente. Pela janela entreaberta ouvia-se a poderosa sirene de um grande navio. Logo após, a quietude do ambiente voltou a encher-se de silêncio. Então, falou o discípulo.

– Tenho lido, nas instruções que me haveis confiado, um capítulo referente à necessidade de servir. Mas, o que se entende por servir?

Mestre – O suficiente aperfeiçoamento individual capaz de provocar, pela ação catalítica do exemplo, uma mudança na conduta de nosso semelhante.

Discípulo – E como se alcança tal grau de perfeição?

Mestre – Mediante a renúncia sistemática e progressiva ao fruto de nossas ações.

Discípulo – Entretanto, se diz que o jardineiro tem direito de usufruir das flores que cultivou.

Mestre – É que há tão somente um jardineiro.

Discípulo – E esse é?...

Mestre – Deus.

Discípulo – De acordo. Posto isto, o serviço se cumpre em modo individual?

Mestre – E também em modo coletivo.

Discípulo – Qual dos modos é o melhor?

Mestre – Ambos são igualmente bons.

Discípulo – São equivalentes?

Mestre – Apenas análogos e complementares.

Discípulo – Como se realiza o serviço em comum?

Mestre – Mediante rituais mágicos ou teúrgicos.

Discípulo – Poderíeis descrever-me algum desses rituais?

Mestre – Só aqueles praticados nas diversas escolas confessionais.

Discípulo – Devo crer, então, que essas cerimônias litúrgicas constituem verdadeiros rituais mágicos.

Mestre – Exato. E tanto a arquitetura e orientação do prédio como a localização interna dos objetos do culto, e os gestos, palavras e vestimentas do oficiante reproduzem o esquema teúrgico que lhes servem de modelo.

Discípulo – Poderíeis ensinar-me esse esquema?

Mestre – Acha-se desenhado em ouro sobre esta mesa e se pode ajustá-lo à lei primitiva com a simples troca das quatro iniciais (I. N. R. I.) por estas outras (Iod, He, Vau, He).

Discípulo – Me agradaria conhecer as cerimônias de serviço praticadas nos colégios iniciáticos.

Mestre – Isso está proibido pela Lei do Silêncio.

Discípulo – Essa mesma lei rege o serviço individual?

Mestre – Em parte.

Discípulo – Isso equivale a dizer que existe alguma parte divulgável.

Mestre – E é das mais úteis.

Discípulo – Então, vos escuto.

Mestre – Digamos antes de tudo que servir e autoaperfeiçoar-se é uma mesma coisa observada desde planos diferentes, mas coincidentes. O primeiro é a manifestação ativa do segundo. Em outras palavras: a autoperfeição constitui a disciplina iniciática em virtude da qual desenvolvemos em nós o desejo e a capacidade de servir; o serviço é a manifestação visível (quando é visível) desta disciplina.

Continua o Mestre – Sem dúvida, apressemo-nos a destruir o generalizado conceito que vê nos regimes dietéticos, nos treinamentos psicofisiológicos e nas práticas cerimoniais ou psicúrgicas os meios indispensáveis para desenvolver no aspirante, no aprendiz, a eficiência do serviço. Pois a esfera conceitual do termo serviço não se circunscreve a determinada orientação sistemática do intelecto, da vontade e das energias vitais, mas sim a uma adaptação circunstancial em harmônica correspondência intelectual e emotiva com os fatores que determinam o ato de servir.

Discípulo – Poderíeis dar-me alguns exemplos?

Mestre – Com muito gosto. No social: As conhecidas regras de convivência, como: franquear a passagem ao transeunte que atravessa o seu caminho; ceder o assento a quem mais o necessite; escutar com deferência as opiniões do nosso interlocutor; proporcionar conforto a quem a ele está acostumado; não criticar as opiniões alheias; manter a serenidade ali onde os demais a perdem. No lar: Respeitar o modo de pensar, de sentir e de trabalhar de nossa companheira ou companheiro; limitarmo-nos a estudar o motivo oculto que determina a conduta de nossos filhos e permitir-lhes, dentro do possível, viver sua própria experiência; ajudar manualmente nas tarefas próprias da casa e sentir-se alegre por poupar tempo e trabalho a seus moradores. No vida profissional: Desempenhar as funções que nos foram atribuídas sem reclamar, nem discriminar as vantagens, preferências ou privilégios concedidos a nossos colegas; aliviar as tarefas daqueles que estão sobrecarregados; orientar com prudência e moderação a quem nos pede conselhos; mantermo-nos imutáveis ante o ultraje de nossos superiores hierárquicos; reconhecendo em cada um deles um mensageiro d’Aquele em quem se abriga o segredo do Ensinamento. Na Vida Iniciática: Conceder boa-fé a nossos Irmãos e Irmãs; reconhecer que seus argumentos estão condicionados por uma multiplicidade de fatores que ignoramos; aceitar que a Verdade, assim, com “V” maiúsculo, é a soma de grande número de pequenas verdades; que cada uma destas pequenas verdades constitui o modo de existência de cada um dos indivíduos encarnados; que todo sistema filosófico; que toda doutrina, escola ou religião está condicionada por uma carta de princípios e que somente com referência a ela pode ser demonstrada a partícula de Verdade que aquele raio de luz encerra; que o iniciático está sempre acima do humano; e estar disposto a dar o humano em proveito do divino e, também, o divino em benefício do humano.

Discípulo – Mas isso já não é um ato de serviço. Isto é uma renúncia total à felicidade!...

Mestre – Sem dúvida, será necessário chegar até esse supremo renunciamento, até o sacrifício do amor humano..., se o divino assim o exigir.

Discípulo – E o que mais?

Mestre – Reconhecer que as Religiões, quaisquer sejam os seus nomes, constituem um aspecto da Única Religião; que as Ordens e Fraternidades ocultas, ou secretas, ou discretas, sejam do Oriente ou do Ocidente, perseguem – sem exceção – a mesma finalidade, isto é: a reintegração do homem a sua origem divina; que a disparidade que parece diferenciar aos seres e as coisas é o resultado de focá-las desde um ângulo particular; que os defeitos que observamos em nossos semelhantes são o reflexo de nossos próprios defeitos e que, em última análise, não há defeito aparente que não traduza uma virtude real. Portanto, não acusar a ninguém, não condenar ninguém, não excomungar ninguém... nem sequer ao que nos ofende, fere, ultraja, calunia, condena ou excomunga. Em vez disso, ajoelhemo-nos aos pés do Amado Eterno por nos ter concedido o privilégio de ser acusados, condenados e excomungados...

Continua o Mestre – E quando tudo parecer desmoronar ao nosso redor, quando todos se desesperem e maldigam, insultem, critiquem, ataquem ou amaldiçoem, permaneçamos tranquilos, SEMPRE PERTO DA FLOR DE LIS que é nossa fé: que simboliza a fé no Mestre, na Alma do Mundo e na caridade sem fim d’Aquele que conhece o Começo, o Meio e o Fim da Ação.

E ao calar o verbo acolhedor e generoso de Mestre, uma mão impalpável, uma mão etérica, mas extraordinariamente carinhosa e terna acariciou as bochechas do discípulo; e um beijo, beijo de noiva, de alma e de espírito, selou sua testa iluminada pela lembrança que o Mestre, com seu habitual sorriso, confirmou com estas palavras: É a tua Alma Gêmea que vem a recordar-te que, quando tenhas sacrificado tudo, perdido tudo... ainda e sempre te restará Seu Amor imortal.

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